O paradoxo de Epicuro e o problema do mal

18/04/2021

Se Deus realmente existe, por que passamos por tanto sofrimento? Por que há tanta maldade no mundo? Por qual motivo pessoas inocentes são vítimas de crueldade e injustiça? Todos nós já nos fizemos esses questionamentos e, de vez em quando, eles ainda sobrevêm a nós em nossas crises de fé. Na verdade, esse é um dos principais pontos levantados por ateístas contra a existência de Deus e, para sistematizá-lo, muitos usam o famoso paradoxo de Epicuro que será exposto abaixo

1. Se Deus é onisciente e onipotente, então possui conhecimento da existência do Mal (pela onisciência) e poder para acabar com ela (pela onipotência), logo, se não o faz não pode ser onibenevolente, pois não estaria sendo absoluta e ilimitadamente bondoso ao permitir o Mal. Conclui-se: existindo o Mal, sendo Deus onisciente e onipotente, não pode ser onibenevolente.

2. Se Deus é onipotente e onibenevolente, então possui poder para acabar com o Mal (pela onipotência) e desejo de assim fazer (pela onibenevolência), logo, se não o faz é porque não tem conhecimento do Mal, isto é, não possui conhecimento absoluto, assim, não é onisciente. Conclui-se: existindo o Mal, sendo Deus onipotente e onibenevolente, não pode ser onisciente.

3. Se Deus é onisciente e onibenevolente, então possui ciência da existência do Mal (pela onisciência) e vontade de acabar com o Mal (pela onibenevolência), logo, se não o faz é porque não tem poder para tal, isto é, não possui poder ilimitado, assim, não é onipotente. Conclui-se: existindo o Mal, sendo Deus onisciente e onibenevolente, não pode ser onipotente.

Desta maneira, o trilema de Epicuro teria provado que, a partir da existência do mal, Deus não poderia possuir os 3 atributos (Onisciência, Onipotência e onibenevolência), somente dois deles, o que se configura como um paradoxo, especialmente para o conceito de Deus do cristianismo.

O presente artigo tem como intuito expor de forma resumida as principais respostas cristãs a esse trilema sem deixar de lado a ortodoxia. Infelizmente, esse é um assunto muito delicado e sua resposta pode parecer apenas fria e racionalista, pois a finalidade do texto é resolver o problema intelectual do mal e pode deixar a desejar quanto à resposta ao problema emocional que ele traz. Como sempre, deixarei fontes e materiais complementares ao final do texto visando o pleno entendimento do assunto, como também um conforto emocional.

1. O argumento moral

Esse argumento já foi exposto em artigos anteriores e, por isso, creio que não seja necessária uma defesa extensa. Em síntese, ele parte de uma das 5 vias de S. Tomás de Aquino, na qual ele afirma que só podemos comparar as coisas e exercer juízos de valor se tivermos um padrão de perfeição absoluto. Ou seja, não podemos dizer que algo é injusto, se não possuímos um padrão absoluto de justiça. Logo, o ateu que pretende provar a inexistência de Deus a partir da realidade do mal, cai em contradição, pois ele não pode conhecer o que é mal ou bom sem um padrão absoluto de perfeição. A interpretação da realidade se esvai em um relativismo e, por conseguinte, se a verdade é relativa, as maiores atrocidades da história são justificáveis (o que é um absurdo). O Argumento pode ser resumido na seguinte estrutura:

Logo, existe um padrão de perfeição pelo qual podemos exercer juízos de valor e conhecer a verdade. (Deus)

2. A Teodiceia de S. Agostinho

Ainda no século V, o doutor da Igreja, Agostinho de Hipona, tratou de refutar por completo o paradoxo de Epicuro ao invalidar sua principal premissa, a existência do mal. Ele percebeu que todo o trilema de Epicuro necessita dessa premissa aceita como válida para se sustentar. Sem a aceitação da existência objetiva do mal não é possível erguer as demais referências e todo sistema cai à futilidade. Tomando como base suas principais obras: A cidade de Deus e as Confissões, juntamente com as análises posteriores feitas à obra de Agostinho, foi desenvolvida a teodiceia agostiniana, área da teologia que busca resolver o problema do mal.

Nesse ínterim, a conclusão a que ele chegou foi que o mal não existe como substância verdadeira. Mas, como assim o mal não existe? Vemos todos os dias crueldades ocorrendo, inúmeras injustiças sociais, abusos, assassinatos de inocentes etc. Bom, nesse caso é necessário refletir o seguinte: O que, de fato, é existir? A filosofia diz que nem toda existência é ontologicamente positiva, isto é, nem toda existência é verdadeira, há também pseudoexistências que não possuem uma essência intrínseca, mas são nomeados como se tivessem, para facilitar a comunicação e o entendimento.

Assim, as pseudoexistências são realidades ontologicamente negativas, isto é, não existem positivamente, projetando-se apenas negativamente, na ausência. Eu sei que isso parece complicado de entender, então, aqui vai um exemplo: Um buraco reflete a ideia de pseudoexistência, pois não existe uma substância positiva "buraco", ao contrário existe ontologicamente a ausência de matéria. Logo, um buraco só é uma projeção negativa da realidade ontológica. O mesmo vale para o frio. A física diz que o frio não existe positivamente, mas é a mera ausência de calor. Logo, uma existência ontologicamente negativa é apenas uma parcial privação de projeção ou ausência de uma existência ontologicamente positiva. Esse é o caso do mal. Ele não existe substancialmente, mas apenas como ausência ou privação do bem.

Nesse sentido, se considerarmos a premissa cristã de que Deus criou o universo bom e somarmos isso ao fato de que não podemos extrair o mal substancial de um universo unicamente bom, podemos concluir duas coisas: O mal não existe como substância e Deus não criou o mal. Então, por que o mal acontece? A resposta de Agostinho é que Deus criou seres livres e a liberdade pressupõe escolhas diferentes. Assim, é possível a escolha do "menos bem" ou da ausência do bem. Ao defender o conceito de pecado original, o doutor da Igreja concluiu que toda crueldade que existe no mundo tem como origem última o exercício errado do livre arbítrio de Adão e Eva, pelo qual sofremos as consequências.

Entretanto, voltando ao paradoxo, seus defensores podem dizer: "Deus, sendo onipotente, poderia criar um mundo com liberdade e, ainda sim, sem maldade." Mas essa afirmação baseia-se em um espantalho do que significa onipotência na perspectiva cristã. A Bíblia ensina que Deus não pode fazer algo contrário ao seu caráter, pois ele deixaria de ser Deus. Por exemplo: Deus não pode pecar, pois ele deixaria de ser santo. Assim, Deus, sendo um ser racional não pode produzir impossibilidades lógicas, tais como um triângulo de mais de três lados, pois deixaria de ser um triângulo. Da mesma forma, Deus não poderia criar um mundo em que seres livres não pudessem fazer escolhas livres, sem que isso significasse o fim de sua liberdade verdadeira. Todo o trilema de Epicuro cai por aqui, mas há ainda um ponto importante para esse debate.

3. Deus pode ter razões moralmente suficientes para permitir que o mal aconteça

Esse argumento é desenvolvido pelo apologista cristão Willian Laine Craig no livro "Apologética para questões difíceis da vida" e responde o problema do mal em uma perspectiva diferente. De acordo com o esquema bíblico, Deus conduz a história humana em direção a um fim previsto e determinado. Imagine a complexidade de dirigir um mundo de criaturas livres em direção a um fim sem necessariamente violar as liberdades dos seres contingentes. Pode ser que, no intuito de se chegar a um fim determinado, Deus possa permitir que ações pecaminosas e maldades dos seres contingentes entrem no cenário.

Uma vez que contemplamos a providência divina sobre a história, torna-se evidente que é impossível para observadores limitados especular sobre a probabilidade de Deus ter razões morais suficientes para os males que ocorrem. Nenhum ateu conseguiu responder isso, porque não somos capazes de conhecer os planos de Deus. O máximo que podemos fazer é ver o que a Bíblia nos diz a respeito disso.

Primeiro, a Escritura diz que o mal é resultado do pecado e a raça humana está em estado de rebelião contra Deus e seu propósito. Romanos 1 diz que a humanidade, em vez de se submeter a Deus e adorá-lo, se rebelou, decidiu seguir seu próprio caminho e passou a adorar a criação ao invés do Criador. Por isso, Deus os ENTREGOU à sua própria vontade, às suas paixões, aos seus pecados e as consequências dos mesmos. Portanto, a depravação humana é responsável pelos males existentes.

Segundo, Deus pode transformar um mal em bem. Um exemplo disso é a história de José. Ele foi vendido como escravo por seus próprios irmãos para o Egito. Todavia, depois de anos de dor e sofrimento, Deus o colocou como governador do Egito e ele foi usado para livrar nações inteiras da fome. Muitas vezes não sabemos o motivo de passarmos por tantas aflições e sofrimentos, porque não estamos na posição de visualizar o plano de Deus para nossas vidas ou para as pessoas que nos cercam. Deus usa as tragédias causadas pelo ser humano como meios de produzir bens maiores. Por exemplo, a partir do sofrimento, Deus faz uma pessoa se achegar a Ele e obter a salvação. Ou ainda, uma tragédia pode comover as pessoas a resolver um problema social e poupar a vida de muitas outras.

Terceiro, o propósito de Deus se estende além desta vida. A Bíblia diz que nossa estadia na terra é apenas uma pequena fração se comparada à grandeza da eternidade. Podem haver males que, nesse mundo, são desproporcionais e não servem, de forma alguma, para bens terrenos. Todavia, Deus os permite para poder recompensar abundantemente na vida porvir aqueles que suportam tais males com fé. No final, as recompensas e punições divinas farão o suficiente para compensar o que temos sofrido aqui. Vamos tomar a vida dos apóstolos como exemplo. São Paulo, por amor ao evangelho, suportou a rejeição dos seus amigos, diversas torturas físicas, foi perseguido, espancado, chicoteado, apedrejado e, por fim, martirizado pelo "crime" de pregar o evangelho. Os apóstolos foram considerados infames, foram caluniados, perseguidos, torturados e não possuíam nada material nesse mundo. E ainda assim, suportaram os sofrimentos sem amargura. Por quê? Por que valia a pena. Eles entenderam que essa vida é apenas uma pequena parte em comparação a eternidade.

Nesse sentido, o apóstolo imagina algo como uma balança. De um lado os sofrimentos e aflições desta vida, do outro a glória que Deus dá aos seus filhos no céu. O peso da glória é tão grande que está totalmente além da comparação com os sofrimentos que suportamos. Por isso, Paulo chamou os sofrimentos dessa vida de leves e passageiros (mesmo depois de tudo o que ele passou!).

"pois os nossos sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos eles. Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno. "(2 Co 4. 17-18)

Meus irmãos, como nós somos negligentes com as coisas celestiais! Nossa mentalidade está tão presa nos assuntos deste mundo que não paramos para refletir na grandeza das coisas eternas. Muitas vezes pensamos que Deus nos abandonou em nossos sofrimentos, mas não! A Bíblia não diz que temos um Deus distante e frio, mas sim um Pai que compartilha dos nossos sofrimentos. O Senhor disciplina aquele a quem ele ama e castiga para aperfeiçoar a quem ele aceita como filho (Hb 12.6). Essa é a razão pela qual os justos sofrem. São aperfeiçoados na fé pela disciplina do Pai e são abundantemente recompensados na vida porvir.

Quando nos colocamos diante do sacrifício de Cristo, vemos o quanto somos culpados diante de Deus, a questão não é mais como Deus pode se justificar para nós, mas como nós podemos ser justificados diante dele. Se Jesus suportou um sofrimento incompreensível por nós para nos salvar, então certamente podemos suportar o sofrimento que ele pede para suportar nessa vida. Cristo já venceu o pecado, a morte e todas as suas consequências e nos conduzirá para o seu reino de alegria eterna. Assim, devemos colocar nossa esperança na promessa que Ele nos fez e na salvação que Ele conquistou para nós e nos regozijar em amor na alegria de sua presença.

Ele enxugará dos olhos deles todas as lágrimas. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor. As coisas velhas já passaram. (Ap 21.4)


Créditos:

Professor Rafael Ferreira Martins           Apologética para questões difíceis da vida- Wllian L. Craig

A cidade de Deus e Confissões- Agostinho

Mateus Magalhães
Desenvolvido por Webnode
Crie seu site grátis! Este site foi criado com Webnode. Crie um grátis para você também! Comece agora