Por que eu defendo o batismo de bebês?

08/12/2021

A confissão de Augsburg, no artigo IX, ensina que os bebês também devem ser admitidos no sacramento do batismo e rejeita a posição anabatista que condena o batismo infantil. Então, surge a clássica pergunta: "Qual o sentido de batizar bebês, se eles não podem professar a fé em Cristo?" Para responder essa pergunta, iniciarei com uma exposição bíblica e patrística do que é o batismo para, assim, prosseguir com argumentos lógicos em favor da admissão dos bebês ao sacramento e, por fim, responderei algumas objeções à posição pedobatista.

  1. O que é o batismo?

Não irei me alongar muito nesse tópico, visto que já temos um podcast inteiro abordando o assunto, o qual você encontrará o link no final do artigo, mas, em síntese, buscando uma melhor didática para se definir o conceito de batismo, irei abordá-lo a partir de duas perspectivas bíblicas sobre o tema: o batismo como selo da nova aliança e o batismo como meio para remissão de pecados.

 A. O selo da nova aliança

Na economia da redenção, Deus agiu na história mediante o contato com os homens, contato esse que foi firmado pelas alianças. Ao estabelecer sua aliança com o patriarca Abraão, Deus instituiu a circuncisão, no oitavo dia de vida, como selo físico que identificava os membros dessa aliança (Gn 17.12). Portanto, a circuncisão era o meio pelo qual as pessoas eram admitidas na antiga aliança, o povo de Israel, e pelo qual os membros dessa aliança, os judeus eram identificados, inclusive para se distinguir dos gentios (Rm 3.30).

Na nova aliança, da qual Jesus é o mediador, a circuncisão não tem mais valor algum, pois o antigo pacto foi revogado por um novo concerto muito mais excelente e inclusivo. Já não é mais a circuncisão física que nos torna participantes do povo de Deus, pois esse rito selava a admissão na antiga aliança, mas é o batismo, que segundo diz S. Paulo em Colossenses 2.11-12, é a nova circuncisão não feita por mãos humanas (pois não é o sacerdote que batiza, mas o próprio Deus Triúno através da igreja) que nos faz participar da plenitude de Cristo, a Igreja, o povo da nova aliança. Enquanto a circuncisão identificava a aliança com os judeus, o batismo identifica a nova aliança, na qual "não há mais judeu nem grego, nem homem nem mulher, nem escravo nem livre, mas todos são um em Cristo Jesus, pois foram revestidos de Cristo no batismo" (Gl 3.27-28). Portanto, assim como a circuncisão era o meio pelo qual os homens eram admitidos na antiga aliança judaica, o batismo é o meio pelo qual somos admitidos na nova aliança, na Igreja de Cristo.

B. Um meio para a remissão de pecados

Ao contrário do que se costumar convencionar em círculos credobatistas, a bíblia nunca fala no batismo como uma profissão pública de fé, antes se refere ao batismo como remissão de pecados (At 2.38, 22.16), lavar regenerador (Tt 3.5), união com o Cristo ressurreto (Rm 6.3-5), purificação do coração (Hb 10.22), santificação e purificação da Igreja (Ef 5.26-27), novo nascimento na água e no Espírito (Jo 3.5), revestimento de Cristo (Gl 3.27) e salvação (Mc 16.16 e explicitamente em 1 Pe 3.21).

Segundo o teólogo Phillip Schaff, o batismo era tido UNANIMEMENTE pelos pais da igreja, sucessores diretos dos apóstolos, como um meio instituído por Jesus para entregar o perdão de pecados conquistado por ele na cruz. Ele diz:

"Essa ordenança [a do batismo] foi conhecida na Igreja Primitiva como o sacramento do novo nascimento ou da regeneração, um rito solene de iniciação na Igreja... [Para os pais] seu efeito consiste no perdão de pecados e na comunicação do Espírito..." SCHAFF, Philip. History of the Christian Church vol. 2 - Ante-Nicene Fathers. CCEL, p. 241-243).

Todos os escritos dos pais da Igreja, desde os mais antigos como o didaquê, a epístola de barnabé, o pastor de hermas aos pais apologistas como S. Justino, Irineu, Orígenes e até mesmo grandes nomes como St. Agostinho e St Ambrósio, todos, de maneira unânime, confessam que o batismo operava, além da admissão à nova aliança, a remissão de pecados e, por conseguinte, a salvação. E, para não restar dúvidas, um credo ecumênico, regra de fé para toda a igreja e norma pelo qual interpretamos a bíblia, ensina que "confessamos um só batismo PARA A REMISSÃO DE PECADOS" (Credo niceno-constantinopolitano).

Por isso, Lutero conclui, no catecismo menor, que o batismo opera a remissão dos pecados, livra da morte e do diabo e dá a salvação eterna a quantos creem, conforme dizem as palavras e promessas de Deus e, diante do questionamento de como a água tem o poder de fazer coisas tão grandes, ele responde:

"A água, em verdade, não as faz, mas a Palavra de Deus que está unida à água, e a fé que confia nesta Palavra de Deus unida com a água. Pois sem a Palavra de Deus, a água é água simples e não batismo. Mas com a Palavra de Deus, a água é batismo, isto é, água de vida, cheia de graça e um lavar de renascimento no Espírito Santo, como diz Paulo na carta a Tito, no capítulo terceiro: '[Deus] nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que, justificados por sua graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da vida eterna. Fiel é esta palavra' (Tt 3.5-8)."

2. Por que batizar bebês?

A. porque é bíblico: O teólogo luterano Martin Chemnitz diz: "Cristo declara a respeito das crianças: 'Delas é o reino dos céus' (Mt 19:14; Mc 10,14); e ninguém que é nascido da carne pode entrar no reino de Deus a menos que renasça (Jo 3:3). Essa regeneração e renascimento ocorrem pela água e pelo Espírito (Jo 3:5), pois o batismo é a lavagem da regeneração do Espírito Santo (Tt 3:5). Visto que, então, Cristo deseja que as criancinhas se tornem participantes do reino dos céus, e isso ocorre por meio do Batismo, é certamente o significado, a vontade e a ordem de Cristo que as crianças sejam batizadas."

B. Porque as crianças nascem com pecado: A bíblia diz que TODOS pecaram e estão destituídos da glória de Deus (Rm 3.23), por que, em Adão, todos pecaram (Rm 5), inclusive os bebês (Sl 51.5).

C. Porque o batismo é o meio que somos unidos a Cristo: A bíblia diz que o batismo nos reveste de Cristo (Gl 3.27), nos torna parte da nova aliança, a igreja, que é o corpo de Cristo (Cl 2.11-12, Cl 1.16) e que ele nos une ao Cristo ressurreto (Rm 6.3-5). Quando estamos em Cristo, somos novas criaturas (2 Co 5.17) e não resta nenhuma condenação quando estamos unidos a ele (Rm 8.1). Portanto, se o batismo nos une a Cristo, e a união com Ele nos regenera, purifica e salva, o batismo regenera (Tt 3.5), purifica (Ef 5.26) e salva (1 pe 3.21).

Disso, podemos tirar o seguinte silogismo:

P1. As crianças nascem em pecado (sl 51.5)

p2. O batismo opera a remissão (perdão) dos pecados (At 2.38)

C. Logo, as crianças devem ser batizadas.

D. Porque o batismo é o selo da nova aliança: Chemnitz novamente diz: "Portanto, assim como no Antigo Testamento o pacto da graça divina foi aplicado e selado por meio da circuncisão não apenas para adultos, mas também para crianças (Gn 17:10,12), assim também agora no Novo Testamento que a graça deve ser corretamente aplicada e confirmada como por um selo tanto para crianças quanto para adultos através do Batismo, que sucedeu a circuncisão do antigo concerto, visto que a graça de Deus foi feita não menos, mas sim mais abundante e mais rica no Novo Testamento."

No próprio antigo testamento vê-se que a nova aliança prometida seria mais excelente e inclusiva que a primeira, incluindo crianças, o que fica explícito em Isaías 49.22 onde o ele declara "trarão os teus filhos nos braços, e as tuas filhas serão levadas sobre os ombros" (Presume-se que filhos que são carregados nos braços são crianças de pouca idade) que se cumpre em Atos 2.39 onde S. Pedro, depois de haver batizado os adultos, diz: "Esta promessa foi feita a vocês e a seus filhos". Em Ezequiel 36, Deus diz que por meio da lavagem com água, Deus purificaria todas as impurezas do seu povo e lhes daria um novo coração para que andem em seus estatutos, profecia que se cumpre com o novo nascimento na água e no Espírito (Jo 3.5) que nos regenera (Tt 3.5), nos habilitando a obedecer aos estatutos de Deus, pois não é uma circuncisão da carne, mas o presente de um novo coração.

Disso, podemos tirar alguns silogismos:

P1. A circuncisão era o selo de admissão da antiga aliança

P2. Os bebês eram circuncidados

P3. O batismo é o selo de admissão da nova aliança, pois é a nova circuncisão (Cl 2.11-12)

P4. A nova aliança é mais inclusiva do que a primeira (Gl 3.28)

Logo, os bebês não podem ser excluídos da nova aliança mais inclusiva e excelente.


P1. O batismo nos coloca na nova aliança

P2. As bençãos da nova aliança são: o perdão de pecados, vida e salvação

C1. Logo, o batismo nos concede perdão de pecados, vida e salvação

P3. As crianças nascem em pecado e são naturalmente filhos da ira (Sl 51.5, Ef 2.3)

Logo, de c1 e p3, conclui-se que as crianças devem ser batizadas para usufruir dos benefícios da aliança.


P1. Quando estamos unidos a Cristo somos salvos e não resta condenação sobre nós (Rm 8.1)

P2. Jesus quer que as crianças sejam trazidas a ele (Mc 10.14-16)

P3. O batismo nos une a Cristo (Rm 6.3-5)

Logo, as crianças devem ser batizadas como forma de serem conduzidas a Jesus e serem salvas.

E) Porque a prática de batizar bebês sempre foi praticada na história da igreja, como testificam os pais:

Irineu de Lyon (130-202 D.C): "Porque Ele veio para salvar a todos: digo a todos, ou seja, todos aqueles renasceram a Deus sejam eles bebês, crianças, adolescentes, jovens ou adultos. Então, quis passar por todas as idades: fez-se bebê como os bebês para santificar os bebês; criança como as crianças, a fim de santificar aos de sua idade, dando-lhes um exemplo de piedade, e sendo para eles modelo de justiça e obediência; se fez jovem como os jovens, para dar aos jovens, exemplo, e santificá-los para o Senhor."

Orígenes de Alexandria (185-254 D.C): "'Se as crianças são batizadas "para a remissão dos pecados' cabe uma pergunta: de que pecados se tratam? Quando eles poderiam pecar? Como podemos aceitar tal testemunho para o batismo de crianças, a menos que se admita que 'ninguém está sem pecado, mesmo quando sua vida na terra não tenha durado mais que um dia'? As manchas do nascimento são removidas pelo mistério do batismo. Se batiza crianças porque 'se alguém não nascer da água e do espírito, é impossível entrar no reino dos céus.'"

S. Cipriano de Cartago (200-258 D.C): Mas se até aos que são os maiores pecadores, e os que haviam pecado contra Deus, quando creem, lhes é concedido a remissão dos pecados e nada se vê impedindo o batismo e a graça, deveríamos impedir um bebê? Que sendo recém-nascido, não há pecado, salvo, que nascido da carne de Adão, contraiu o contágio da morte antiga em seus nascimentos?

"Mas a Bíblia não diz que devemos ensinar e batizar? Se os bebês não podem ser ensinados, eles não podem ser batizados!"

Chemnitz responde essa objeção com maestria: "Assim como no Antigo Testamento, ambos eram ordenados a ensinar e a circuncidar, e os adultos eram primeiro ensinados, depois circuncidados (Gn 17), mas os bebês eram circuncidados primeiro (Gn 17:12) e ensinados mais tarde, numa época em que eles tinham idade suficiente para entender e fazer perguntas (Dt 6:20; Ex 12:26), assim também todo o ministério do Novo Testamento consiste na Palavra e nos Sacramentos. Quando os adultos são convertidos pela primeira vez, o ensino precede e o Batismo segue (At 2:41; 8:12, 35-38; 10: 44-48), com relação aos filhos dos cristãos, a mesma ordem de ensino e batismo é observada como antigamente, seguida no Antigo Testamento no ensino e circuncisão, pois o que era a circuncisão no Antigo Testamento agora é o Batismo no Novo Testamento (Cl 2: 11-12)." [2]

"Mas a fé não é um requisito para o batismo? Jesus disse que quem crê e for batizado será salvo, portanto, a fé deve preceder o batismo."

Essa frase conta com alguns saltos lógicos. Primeiro, a fé não é uma ação humana, mas um presente de Deus (Ef 2.8) que ele nos concede por meios, a palavra e os sacramentos. Não obstante, a palavra de Deus se bifurca em lei e evangelho. Nesse prisma, chamamos de lei tudo o que requer uma resposta humana em obediência, e de evangelho tudo o que Deus faz e nos dá gratuitamente em virtude da promessa. Se o batismo fosse condicionado a uma declaração de fé, ele seria lei, pois exigiria uma ação humana, mas o sacramento do batismo é um meio de graça, dado para o perdão de pecados, algo que apenas Deus pode fazer, portanto, o batismo é evangelho e, se é evangelho, não requer condicionalidades humanas, pois se fosse por obras já não seria pela graça (Rm 11.6).

Em síntese:

 P1. O perdão de pecados se dá unicamente pela graça de Deus

 P2. O batismo comunica o perdão de pecados

C1. Logo, o batismo opera unicamente pela graça de Deus

P3. O que é de graça dispensa condicionalidade, inclusive condicionalidades etárias

C. Portanto, o batismo dispensa a condicionalidade etária e, assim, os bebês podem ser batizados.


REFERÊNCIAS

Podcast sobre batismo: https://youtu.be/RQoEY1QDJeY

[1] Citações dos pais da igreja: Os Pais da Igreja e o batismo das crianças - Apologista Católicos (apologistascatolicos.com.br)

[2] Citações do Dr. Martin Chemnitz: Uma breve Apologia ao Pedobatismo, por Martin Chemnitz - Wittenberg's (wordpress.com)

Mateus Magalhães
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