Defesa apologética da Sola Scriptura

13/03/2021

Disse Lutero quando interrogado na Dieta de Worms: "Se eu tão somente puder ser refutado pela Escritura e pela razão simples, e não por concílios ou declarações papais que tantas vezes se contradizeram, eu não me retratarei."

Tinha origem aí o grande grito da Reforma Protestante, o fundamento da Sola Scriptura. Mas o que de fato isso significa? Será que podemos mesmo construir uma teologia a partir da suficiência da Bíblia? E quanto a autoridade da tradição e do magistério da Igreja? Essas serão questões trabalhadas neste estudo, que, por ser um artigo apologético, será um pouco mais longo que o comum. Vale ressaltar que esse texto não é um ataque a qualquer outra fé, sendo apenas uma defesa de um ponto de vista. Como sempre, fontes, sugestões e links para conteúdos suplementares estarão no final.

Para começar, é preciso deixar claro que tomamos por pressuposto a inerrância da Bíblia como palavra de Deus. O próprio Cristo afirmou a autoridade do Antigo Testamento e tornou seus Apóstolos mestres infalíveis da Verdade. Portanto, a autoridade da Bíblia é autoridade do próprio Cristo e isso é o terreno comum estabelecido entre protestantes e católicos romanos.

Tendo isso em vista, a partir dos argumentos levantados pelo protestantismo clássico, tratarei de refutar as falácias feitas por papistas para enfraquecer a Sola Scriptura, expor seu posicionamento e as falhas de sua doutrina, dissertar sobre o papel da tradição como autoridade e evidenciar o posicionamento dos pais da Igreja sobre o assunto.

Muitos católicos romanos, ao tentarem minar a doutrina da suficiência das Escrituras, caem na falácia do espantalho, pois criam um conceito distorcido do que essa doutrina é, para, então, refutá-la. Desse modo, eles alegam que os protestantes negam a autoridade da tradição e dos concílios para se apoiarem exclusivamente no que está expresso na Bíblia como fonte de autoridade.

Contudo, essa não é a proposta da Sola Scriptura e é um ataque ao que a teologia chama de Nuda Scriptura. A Nuda Scriptura é, portanto, a ideia da Bíblia como total e única autoridade como doutrina e prática da Igreja, rejeitando a tradição, os credos e os concílios. Não há nenhuma autoridade exceto a Bíblia. Assim, cada pessoa é livre para interpretá-la sem referência ao passado Cristão.

Essa posição, entretanto, deve ser rejeitada, pois abre as portas para o individualismo, subjetivismo e ao caos teológico. Os reformadores negaram veementemente essa posição, entendendo que a livre interpretação era mãe de muitas heresias. Ao contrário, eles reconheceram a autoridade da tradição e dos credos, mas esses sendo subordinados à única autoridade realmente infalível, a Escritura. Veja o que o Teólogo R.C Sproul diz sobre isso:

"Para Lutero a Sola Scriptura era inseparavelmente relacionada com a inerrância que só as Escrituras possuíam. Foi porque os papas podiam errar, e erravam mesmo, e os concílios igualmente estavam sujeitos a erros, que Lutero veio a reconhecer a supremacia das Escrituras. Lutero não desprezava a autoridade da Igreja, nem repudiava os concílios eclesiásticos e a tradição como sendo destituídos de valor. Lutero e os reformadores não quiseram dizer por Sola Scriptura  que a Bíblia é a única autoridade na Igreja. Pelo contrário, queriam dizer que ela é a única autoridade INFALÍVEL dentro da Igreja."

A autoridade na Igreja Católica Apostólica Romana

A teologia católica afirma que existem três fontes de autoridade infalível, a saber, a Escritura, a Tradição e o Magistério da Igreja. Porém, embora o catolicismo afirme que a tradição é de origem apostólica, como protetora da Tradição, cabe à Igreja definir o que faz parte da Tradição e o que não faz. (OBS: entende-se por tradição o ensino oral e escrito preservado e passado pelos pais da Igreja seguindo, principalmente, a sucessão apostólica de bispos líderes de dioceses locais).

O ensino dos Pais, ou patrística, é subdividido em 3 fases principais: Os pais Apostólicos, discípulos diretos dos apóstolos; os pais apologistas e os pais pós nicenos. O ensino desses mestres foi fundamental para a construção teológica da Igreja e possui autoridade indispensável na cristandade. O que é consenso unânime desses pais, principalmente entre os pais apostólicos, é autoritativo para todo o Cristão e fundamenta, também, a doutrina do protestantismo clássico. Contudo, em muitos pontos os santos padres divergiam entre si e, então, a Igreja alegava que possuía autoridade de determinar o que era a tradição e o que não era. Inclusive chegando a aceitar partes da teologia de um pai da Igreja e negar outras.

Ademais, os romanistas afirmam que o cânon da Bíblia foi DETERMINADO pela Igreja e somente o magistério da Igreja detém sua interpretação final. Diz o catecismo da Igreja Católica:

"O ofício de interpretar a palavra de Deus escrita ou transmitida foi confiado unicamente ao Magistério vivo da Igreja, cuja a autoridade se exerce em nome de Jesus, isto é, aos bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma"

O concílio de Trento diz ainda: "... É de autoridade exclusiva da Igreja DETERMINAR o verdadeiro sentido e interpretação das Sagradas Letras".

Portanto, o efeito prático disso é que o Magistério da Igreja católica é a autoridade final. É ele que determina, infalivelmente, o que é a revelação e qual é sua interpretação correta. Logo, o tripé composto por Escritura, Tradição e Magistério é reduzido à autoridade final do Magistério, encabeçado pelo Papa infalível. Na prática, uma Sola Ecclesia.

Eles afirmam que Jesus, ao ascender aos céus, não deixou um Livro, mas sim, uma Igreja e que esta seria o bastião da Verdade. Mas, será mesmo que a Igreja que Jesus fundou se limita à instituição Igreja Católica Romana? Bem, essa é uma discussão de eclesiologia que pode ser tratada posteriormente. Outra pergunta que surge é: Será que o Magistério da instituição Igreja é realmente infalível ao determinar e interpretar as Escrituras e a Tradição? Pois, de modo lógico, a teologia católica afirma que a Igreja determina o que é a palavra de Deus e o que não é. A resposta para essa questão é: não, o magistério da Igreja debaixo da autoridade suprema do Papa não é infalível e diversas vezes caiu em contradições. (Acessar link no final do texto que direcionará para outro artigo sobre as contradições do papado)

Em suma, o católico crê que a Igreja tem autoridade sobre a Escritura, pois veio antes dela e a formou. Já o protestante crê que a Escritura tem autoridade sobre a Igreja, pois é a única fonte infalível de revelação.

A verdadeira fonte de autoridade

O protestantismo clássico responde à objeção católica, a qual afirma que a Igreja determinou o cânon Bíblico, ao dizer que a Palavra de Deus por si só era autoritativa como norma suprema e que coube à Igreja apenas identificar, reconhecer e receber os Livros inspirados, mas nunca lhes conferir, arbitrariamente, autoridade. O processo de formação da Bíblia foi lento e gradual e seguiu os seguintes critérios lógicos para identificação dos Livros sagrados:

Sproul escreveu: "Embora os protestantes creem que Deus teve um cuidado especial e providencial para assegurar que os livros certos fossem incluídos no cânon, nem por isso consideram que ele tenha tornado a Igreja infalível. Os protestantes lembram que a igreja não 'criou' o cânon, mas que reconheceu, identificou, recebeu e se submeteu aos livros das Escrituras. O termo usado pela Igreja nos concílios foi recipimus, que significa 'nós recebemos'".

Outro argumento feito por papistas é que os Apóstolos só começaram a escrever o Novo Testamento depois de décadas de ensino oral, logo, existe uma tradição oral paralela à Bíblia com a mesma autoridade e cabe a Igreja guardá-la e interpretá-la.

Para responder essa objeção, os protestantes afirmam que a autoridade final da Igreja é, na verdade, o ensino dos apóstolos tanto oral como escrito, mas que todo o ensino apostólico por tradição oral está contido, de modo suficiente, na Bíblia. O teólogo luterano Jonh Theodore Miller em sua dogmática cristã diz:

"...todas essas expressões declaram que o Espírito Santo se serviu dos escritores como os instrumentos, como sua boca, pelo revelar da sua santa palavra, tanto oralmente como por escrito." Isso deve ser um fato indiscutível visto que o próprio Cristo conferiu infalibilidade doutrinária aos Apóstolos:

"Mas o Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse ensinará a vocês todas as coisas e fará com que se lembrem de tudo o que eu lhes disse." (João 14:26)

"Porém, quando vier o Espírito da verdade, ele os guiará em toda a verdade. Ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que ouvir e anunciará a vocês as coisas que estão para acontecer."(Jo 16:13)

Entendemos como fato que por décadas a tradição oral foi a base doutrinária da Igreja, pois o Novo Testamento não havia terminado de ser escrito. Deus não deixaria sua Igreja por tanto tempo sem uma fonte doutrinária confiável e inerrante e essa função foi delegada aos santos Apóstolos, iluminados pelo Espírito Santo. Portanto, entendemos que a fonte de autoridade está na figura apostólica e a própria Bíblia confirma que a tradição do ensino oral dos mesmos era a regra de fé da Igreja primitiva:

"E perseveravam no ensino dos Apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações" (Atos 2: 42)

"Eu os elogio porque em tudo vocês se lembram de mim e retêm as tradições, assim como eu as transmiti a vocês." (1 Coríntios 11:2)

"Temos mais uma razão para, incessantemente, dar graças a Deus: é que, ao receberem a palavra que de nós ouviram, que é de Deus, vocês a acolheram não como palavra humana, e sim como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual está atuando eficazmente em vocês, os que creem." (2 Tessalonicenses 2:13)

"A uns Deus estabeleceu na igreja, primeiramente, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres; depois, operadores de milagres; depois, os que têm dons de curar, ou de ajudar, ou de administrar, ou de falar em variedade de línguas." (1 Coríntios 12:28)

Veja que este último versículo mostra uma hierarquia de autoridade. E mais, uma interpretação possível é que o termo "profetas" pode se referir ao antigo testamento, como frequentemente acontece na Bíblia. Isso significa que S. Paulo arrogava para os apóstolos autoridade maior que a Escritura do antigo testamento. E isso faz sentido a luz da mensagem do livro de Hebreus, o qual afirma a superioridade da nova aliança sobre a antiga e também pelo fato de que os apóstolos passaram a interpretar corretamente o verdadeiro significado das profecias. Vale lembrar que isso não implica em dizer que o Novo Testamento é mais inspirado do que Antigo, mas sim que o Novo esclarece o Antigo que foi chamado de "sombra das coisas que iam de vir". Bem, tendo isso em vista, creio que não preciso mais expor o fato de que a autoridade canônica está centrada nos Apóstolos.

Entretanto, apologistas católicos afirmam que a própria Bíblia ensina a necessidade de tradições extra-bíblicas e não a suficiência das escrituras, principalmente com base em 2 Tessalonicenses 2:15 e 2 Timóteo 2:2 que dizem assim:

"Assim, pois, irmãos, permanecei firmes e guardai as tradições que vos foram ensinadas, seja por ensino oral, seja por epístola nossa."

"E o que da minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite aos homens fiéis e idôneos para instruir os outros."

O problema do posicionamento católico é que essas passagens nada dizem a respeito de tradições orais permanentes, que existiram ao lado das escrituras durante toda a história da Igreja. Quando S. Paulo escreveu aos tessalonicenses, o Novo Testamento ainda estava sendo composto. É provável que os evangelhos ainda não estivessem concluídos. Portanto, era necessário que o conhecimento acerca de Jesus fosse passado e preservado pela tradição oral apostólica. Porém, alguns anos mais tarde, o restante das Escrituras pôde ser compilado e o que era ensinado por eles por fala, pôde ser registrado por escrito.

Ademais, as palavras de Paulo a Timóteo não provam que aquilo que ele ouviu do Apóstolo nunca foi colocado na forma escrita. Logo, não se pode afirmar que o que foi ouvido por Timóteo não teriam sido doutrinas diferentes das que S. Paulo registrou em Romanos, por exemplo. A ideia de uma tradição separada das Escrituras não existe nesses textos.

Tendo isso esclarecido podemos passar para os próximos argumentos.

Os Apóstolos sabiam que estavam compondo a Escritura inspirada por Deus

Esse também é um ótimo argumento para se apresentar. Se os Apóstolos estavam cientes de que estavam escrevendo da parte de Deus, nada os impediu de registrar todo seu ensino oral nas Escrituras Sagradas. Ah, e, a princípio, esse era um costume dos Judeus. O próprio Deus, em um momento anterior, advertiu Isaías de escrever o que ele exortava oralmente.

"Agora vá e escreva isso numa tabuinha diante deles, escreva-o num livro, para que fique registrado para os dias vindouros, para sempre, perpetuamente." (Isaías 30:8)

Como já dito, os Apóstolos tinham ciência que escreviam inspirados por Deus e que suas Escrituras tinham tanta autoridade quanto o Antigo Testamento. A prova disso é que na maioria das vezes que um Apóstolo usa o termo "Escrituras" ele se refere ao Antigo Testamento, mas em 1 Timóteo 5:18, S. Paulo cita o evangelho de S. Lucas como Escritora Sagrada. O raciocínio é simples: se a antiga aliança tinha um testamento escrito, a nova aliança, igualmente, deveria ter. E é exatamente isso que acontece.

"Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça que é mandamento do Senhor o que estou escrevendo para vocês." (1 Coríntios 14:37)

Além disso, temos o trecho de 2 Pedro, no qual ele trata as epístolas paulinas como Escritura. Não obstante, os Apóstolos também insistiam que seus escritos fossem lidos para toda a congregação (1 Tessalonicenses 5:27, Apocalipse 1:3, 1 Timóteo 4:13). Ora, se os Apóstolos como autoridade doutrinária suprema na Igreja, comissionados pelo próprio Cristo, sabiam que estavam escrevendo da parte de Deus, fizeram questão de registrar por escrito e incentivaram as igrejas a lerem suas cartas, então, conclui-se que eles estabeleceram a Escritura como norma suprema, onde estariam sintetizados seus ensinamentos.

Desse modo, ao contrário do que dizem os críticos da Sola Scriptura, a própria Bíblia reconhece sua suficiência:

"E que, desde a tua meninice, sabes as sagradas letras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus. Toda Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça, para que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente instruído para toda boa obra." (2 Timóteo 3:14-17) 

S. Paulo empregou duas palavras [artios] e [exartizo] para destacar a suficiência da Escritura. Neste texto ele toma a palavra do modo de um particípio no pretérito perfeito para indicar uma ação completada. Além disso, no versículo 15 diz que " As escrituras podem [dynamai] fazer-te sábio para salvação". A palavra dynamai é um particípio que atribui capacidade ou poder e é frequentemente utilizada para descrever o poder de Deus. Logo, a palavra não deixa possibilidade de que as escrituras fracassem em sua tarefa (Revelar o Cristo). Isso somado com o fato de Paulo saber que os Apóstolos estavam registrando seus ensinos por escrito, atesta a suficiência das Escrituras para conhecer o plano de salvação. Dessa forma, elas não precisam ser suplementadas por revelações de outras fontes.¹

A própria Tradição reconhece a superioridade das Escrituras

A tradição patrística, composta por teólogos que sucederam os apóstolos na liderança da Igreja, reconhecia a supremacia e suficiência do ensino que eles deixaram. Nesse sentido, S. Irineu de Lyon diz:

"Porque, por mais ninguém, conhecemos o plano de salvação, exceto por aqueles a quem o Evangelho veio a nós. Que, de fato, o que eles então pregaram, eles depois nos entregaram nas Escrituras pela vontade de Deus, para que este fosse o fundamento e o pilar da nossa fé."

Contudo, é de suma importância destacar que, nessa época, os pais da Igreja tiveram que lidar com constantes ameaças de heresias e ataques. Por isso, foi necessário reconhecer uma tradição que guardava o ensino dos Apóstolos e que fosse preservada pela Igreja. Então, sabendo da futilidade em discutir com hereges com base somente no texto escrito, o qual o significado eles poderiam distorcer, eles apelavam para a regra de fé (Regula fidei) que tinha sido preservada intacta desde os dias dos apóstolos. Nesse sentido, eles não tinham a intenção de subordinar a Escritura à Tradição, mas oferecer uma declaração de fé resumida a respeito da qual não poderia haver debate algum.

Essa regula Fidei se encontrava nos credos, os quais resumiam os pontos principais da fé. A própria Bíblia apresenta alguns credos (Colossenses 1:15-20, Filipenses 2:5-11, entre outros). Portanto, era ensino dos Apóstolos formular resumos da fé. O credo mais importante do período foi o credo apostólico, que tinha a intenção de resumir o ensino dos apóstolos.

"Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do Céu e da terra. Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao Céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo; na Santa Igreja cristã; na comunhão dos santos; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo; na vida eterna. Amém."

Veja que tudo o que está sintetizado no credo está presente também na Escritura. Essa tradição (ou regra de fé) foi ensinada pelos apóstolos e preservada de geração em geração. Por isso, nota-se que a tradição oral, conquanto fosse distinta da Escritura, era um simples resumo da mensagem nela contida. Irineu, no livro "contra as heresias", ensinava que as Escrituras e a revelação não-escrita são idênticas em conteúdo, sem ambiguidade alguma e que o Novo Testamento era a formulação escrita da tradição apostólica.

Por essa razão, o escritor contemporâneo Michael Horton, no livro "Evangélicos católicos e os obstáculos à unidade" diz: "Os protestantes também acreditam na infalibilidade da tradição se por tradição entende-se o ensino apostólico antes de serem registradas nas escrituras. As escrituras reportam à tradição."

O catolicismo romano afirma que os pais da Igreja preservaram uma tradição oral que revelava coisas não explícitas na Bíblia, porém, será mesmo que eles se viam assim? Vejamos algumas citações sobre isso:

St. Atanásio: "Mas já que a Sagrada Escritura é em todas as coisas mais do que suficiente para nós, recomendo àqueles que desejam saber mais sobre esses assuntos que leiam a palavra divina... As Escrituras santas e inspiradas são plenamente suficientes para a proclamação da verdade."

"Convinha, no que se refere ao nosso senhor Jesus Cristo, também afirmar, a partir das Escrituras, o que lá está escrito a seu respeito, e não introduzir expressões não Bíblicas. Pois os sinais da verdade são mais exatos na Escritura do que através de qualquer outra fonte."

S. Cirilo de Jerusalém: "Com respeito aos mistérios salvadores da fé, nenhuma doutrina, por mais banal que seja, pode ser ensinada sem o apoio das Escrituras Sagradas."

St. Agostinho: "Nos assuntos abertamente declarados nas Escrituras, podemos encontrar tudo o que é necessário para a fé e prática."

St. Irineu: "O verdadeiro conhecimento da doutrina dos Apóstolos, e a antiga constituição da Igreja em todo o mundo, conforme as sucessões dos bispos, pelas quais eles transmitiram à Igreja que existe em todos os lugares, e chegou até nós, está guardada e preservada sem nenhuma falsificação nas Sagradas Escrituras."

Veja que essas citações indicam que os próprios representantes da tradição patrística reconheciam a suficiência das Escrituras. Ademais, os pais não admitiam que eles guardavam uma revelação não escrita e que tinham autoridade canônica. Esse trecho de St. Agostinho na obra "Contra Cresconium" deixa isso claro:

"O cânone dos livros canônicos foi elaborado para que pudéssemos, através deles, julgar livremente os escritos de todos os crentes e descrentes" e no cap. 32 ele diz: "Não considero as cartas de Cipriano como canônicas, mas as avalio pelas canônicas; e o que neles concorda com a doutrina das Escrituras divinas, recebo com seus elogios, mas o que não concorda, rejeito com sua permissão."

Não obstante, os pais deixaram claro que deveriam rejeitar qualquer doutrina que fosse estranha à Bíblia:

St. Atanásio diz: "Os católicos não falarão nem darão ouvidos a qualquer coisa em matéria de fé que for estranha Às Escrituras; seria um coração mal e repleto de imodéstia, falar coisas que não estão escritas."

Tertuliano ensinava que a tradição estava guardada nas Escrituras, pois, em seguida, os apóstolos registraram sua pregação oral no Novo Testamento. Ele diz: "Por essa razão, as Escrituras possuem autoridade absoluta; tudo o que ela ensina é necessariamente verdadeiro, e a desgraça recai sobre todo aquele que aceita doutrinas que nelas não se encontram."

Portanto, fica claro que os pais não só reconheciam a autoridade suprema da Escritura, como também condenavam todo aquele que ensinava doutrinas que não estavam presentes na mesma. Em suma, eles reconheciam que a tradição oral apostólica foi guardada e preservada de modo suficiente e inerrante na Bíblia e eles próprios se submetiam a essa autoridade.

Conclusão

O que aprendemos disso tudo? Que a Igreja está alicerçada sobre o fundamento dos profetas e dos apóstolos (Efésios 2:20), ou seja, no Antigo e no Novo Testamento. A tradição e os concílios devem ter grande autoridade para os cristãos, pois eles ajudam a interpretar a Bíblia e trazem luz a doutrinas implícitas na Escritura (Ex: a Trindade e União hipostática: Jesus como homem e Deus ao mesmo tempo). A Autoridade dos Pais é indispensável para uma construção teológica saudável. O ensino de 2000 anos deve ser considerado sempre ao se fazer uma interpretação Bíblica. Entretanto, apenas a Bíblia é autoridade infalível e, onde a tradição contradiz as Escrituras, ela deve ser corrigida à luz da Palavra. Assim, a tradição nunca deve ser aceita como fonte de nova revelação, mas sim como uma tentativa humana de interpretar a revelação que só encontramos na Bíblia.

Sobre a autoridade da Igreja, os reformadores ensinavam que a Escritura foi o ventre do qual nasceu a Igreja, e não que a Igreja determinou a Escritura. diz Calvino:

"Como Efésios 2:20 diz claramente, a Igreja se sustém no fundamento dos profetas e dos apóstolos. Se o fundamento da Igreja é a doutrina profética e apostólica, é necessário que essa doutrina tenha sua inteira infalibilidade antes que a Igreja começasse a existir... Ora, se de início a Igreja foi fundada nos escritos dos profetas e na pregação dos apóstolos, onde quer que essa doutrina se encontre, sua aceitação, sem a qual a própria Igreja jamais teria existido, indubitavelmente precedeu à Igreja."

A tese de Calvino, contrariando a ideia de que a Igreja determina a doutrina, foi que a Igreja só surgiu através da pregação e a posterior síntese do ensino apostólico nas Escrituras. Logo, a Igreja está debaixo da autoridade que a precedeu, a própria palavra. Vale destacar também que os reformadores não se opunham à autoridade da Igreja, inclusive, Calvino disse que a melhor forma de tratar uma controvérsia teológica era reunindo um concílio de líderes da Igreja.

Portanto, aqui (finalmente) termina minha argumentação. Representando o protestantismo tradicional, incentivo a todos que firmem sua fé na suficiência das Escrituras, mas que jamais ignorem o papel fundamental que a tradição tem na construção teológica. A Bíblia é autoridade final e última; ela interpreta a si mesma e, em sua compreensão, o ensino dos pais é indispensável. Por isso, repouse na segurança de poder conhecer o plano de Salvação de modo suficiente na Bíblia; Deus se revela por meio dela e nela escreveu as palavras de vida eterna. 

1- Teologia sistemática- Franklin Ferreira e Allan Myat

Mateus Magalhães
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